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quinta-feira, 20 de maio de 2010

JURID - Contribuição Associativa em Loteamento Fechado. [20/05/10] - Jurisprudência


Contribuição Associativa em Loteamento Fechado.
MBA Direito Comercial - Centro Hermes FGV

Tribunal de Justiça de São Paulo - TJSP.

CONTRIBUIÇÃO ASSOCIATIVA EM LOTEAMENTO FECHADO - Sentença de procedência em ação de cobrança ao fundamento de que as contribuições teriam sido aprovadas em assembléia geral - Equivoco evidente, apenas a previsão orçamentária anual é que foi; os cálculos relativos a cada condômino podendo perfeitamente ser objeto de verificação, quiçá mediante perícia contábil - Apelo do réu, embora não se pretenda forrar ao pagamento e reconheça o dever de proceder ao rateio, de que o critério de cálculo não se acharia correto; a loteadora com maioria de quinhões a administrar o empreendimento, carreando aos demais condôminos importes financeiros que seriam seus - Conexão evidenciada com ação de discussão de valores entre as mesmas partes, por acórdão anterior julgada procedente, onde determinados esclarecimentos complementares pela aqui apelada, acerca do modo de cálculo empregado - Questão transitada em julgado que não comporta mais discussão - Possibilidade de suspensão do andamento do presente feito a teor do artigo 265, IV, "a", do CPC, a espera da decisão do primeiro - Aplicação analógica, entretanto, da regra do artigo 249, § 2º do CPC para dar provimento ao apelo e, por conseqüência, julgar improcedente a ação.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação n° 994.04.082547-7, da Comarca de Salto, em que é apelante URBANO ARAÚJO DE MORAES sendo apelado CONDOMÍNIO RESIDENCIAL HARAS PAINEIRAS.

ACORDAM, em 8ª Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão: "DERAM PROVIMENTO AO RECURSO. V. U.", de conformidade com o voto do Relator, que integra este acórdão.

O julgamento teve a participação dos Desembargadores CAETANO LAGRASTA (Presidente sem voto), SALLES ROSSI E JOAQUIM GARCIA.

São Paulo, 31 de março de 2010.

LUIZ AMBRA
RELATOR

VOTO N° 8219

APELAÇÃO CÍVEL N° 994.04.082547-7 (349.612.4/3-00)

SALTO

APELANTE: URBANO ARAÚJO DE MORAES

APELADA: CONDOMÍNIO RESIDENCIAL HARAS PAINEIRAS

Trata-se de apelação contra sentença (a fls. 123/126) de procedência, em ação sumária relativa à cobrança de contribuições associativas de loteamento fechado. Nas razões de irresignação se sustentando o descabimento do decisum, pelos fundamentos então expendidos (fls. 135/141).

Recebido o apelo a fl. 143 (tempestivo, cf. fls. 123 e 135), a fls. 145/147 veio a ser contra-arrazoado.

É o relatório.

I) Trata-se de cobrança de contribuição associativa incidente sobre unidades integrantes de loteamento fechado administrado pela apelada. Nos autos não se discutindo a legalidade desta, mas apenas o arbitramento do valor a ser pago, discrepante entre o que se entende aplicável à espécie e o efetivamente lançado pela administração do loteamento. Procedência da ação ao fundamento de que os valores cobrados advieram de previsão em Assembléia Geral de observância obrigatória a todos os associados. O que, data vênia, não traduz o melhor entendimento.

II) Em apelo tirado de feito conexo entre as partes, distribuído a este relator (Apel. 177.022-4/2-00, acórdão juntado por cópia às fls. 222/237), foi dado provimento ao recurso do ora apelante, "baixando os autos ao Juízo de origem para prosseguimento, determinados esclarecimentos complementares pela ré, acerca do modo de cálculo empregado".

Não tenho absolutamente nada a modificar, ora me reporto às considerações então expendidas, isto é (fls. 222/237, cits.):

"A extinção do processo há que ser afastada, provido para tanto o apelo. Nos termos em que posicionada a ação, ao contrário do que na sentença se assinalou, a decisão de mérito é perfeitamente possível chegar ao final de seu curso.

1) Sustentou a decisão recorrida que, dizendo a presente ação respeito aos lançamentos do exercício de 1999 (fls. 4 in fine e 7), estes teriam sido objeto de aprovação na assembléia geral cuja ata vem a fls. 61/64 (trazida também a fls. 149-A e 149-B); daí porque nem haveria o que discutir: prevaleceria a vontade dos condôminos, a validade da assembléia é que deveria ter sido questionada, ao estabelecer o montante de cada quota condominial.

Fazendo um parênteses, ninguém discute que, como assinalado pelo decisório recorrido (a fl. 178), à assembléia em questão os autores estiveram presentes, em nenhum momento impugnaram as deliberações havidas. Mas o problema não é esse.

2) O condomínio réu, na verdade, embora na convenção de fls. 31/45 se diga reger pelas disposições da lei 4591/64 (Lei de Condomínios e Incorporações, item 1.6, a fl. 33) em caráter subsidiário, na verdade se trata de um loteamento fechado: quanto a isso, a convenção igualmente é expressa. A fl. 31 há remissão à lei 6766/79, de Parcelamento do Solo Urbano; e que se trata de loteamento, o registro imobiliário é suficientemente explícito a respeito. Confira-se fl. 23, ainda a matrícula relativa ao lote n° 6, dos autores (fl. 24).

Há uma única área sob regime de condomínio; mas não da lei 4591/64 e sim regida pelo Código Civil. Porque, não inclusa no loteamento (está no item 1.5.2 da convenção, a fl. 33) mas a ele vizinha, existe gleba de 31.980 m2 de que cada dono de lote viu-se compelido a adquirir fração ideal. Assim, 166 o número de lotes declinado a fl. 31, a área anexa viu-se dividir em 168 partes ideais (item 1.5.2.a de fl. 33; o lote k eqüivalendo a três cotas, cf. item 1.5.3 seguinte), foi destinada ao Centro de Recreação do empreendimento (fl. item 1.5.2).

3) Aí há condomínio, comum, o sistema da lei 4591/64 só se aplica a unidade autônomas em prédios de apartamentos ou conjunto de casas; do que aqui não se está a tratar - a área é estranha ao loteamento ao que se viu, a co-propriedade diz respeito às instalações de lazer e respectivo terreno.

Na Convenção de fls. 31/45, como quer que seja, tudo se misturou, de molde a criar confusão. Ficou estabelecido que, em se tratando de loteamento fechado, as despesas de conservação intra muros (não só as do Centro de Recreação) haveriam que ser custeadas por todos os proprietários de lotes. Cada lote representando um voto nas deliberações condominiais (item 1.5.4, a fl. 33), "independentemente do seu tamanho e de nele exibir ou não construção ou benfeitoria". A única exceção a da Quadra K, com três votos o lote (fl. 33, item 1.5.4.a.).

4) Sob o nome de condomínio (que diria respeito única e exclusivamente à área contígua de 31.980 m2, destinada ao Centro de Recreação), assim, na realidade se instituiu uma associação, responsável pelo custeio das despesas comuns do loteamento (segurança interna, pessoal contratado para as guaritas, para plantio e conservação das áreas verdes do empreendimento, aprovação de novas plantas, etc.). Ao tratar do orçamento (no capítulo III de fl. 39) a convenção especificando quais as despesas particulares de cada proprietário de lote, quais as comuns ao empreendimento inteiro. A propósito os itens 3.3, 3.4 e 3.4.7, de fl. 39.

A jurisprudência, ainda quando não se trate de condomínio no sentido jurídico do termo - mas, sim, de loteamento fechado -, tem emprestado validade às entidades associativas constituídas sob essa finalidade (do tipo Sociedade Amigos), de velar pelo todo. Entende devidas as contribuições impostas aos proprietários abrangidos por sua área de atuação, tenham ou não a ela aderido.

5) Criação de entidades associativas, nos moldes da presente, tem se tornado comum nos dias atuais. Via de regra se inserindo, para garantir um padrão de qualidade em serviços comuns - que os poderes públicos deveriam prestar mas não prestam -, cláusula obrigatória, constante de todos os contratos dos imóveis transacionados; à semelhança do que fazia a antiga Cia. City, ao lotear o Pacaembu e o Morumbi: estabelecendo deveres e restrições edilícias superiores às da própria lei municipal de Zoneamento; prevendo a constituição de uma "Sociedade Amigos", voltada à realização das atividades úteis ou, até mesmo, essenciais ao empreendimento.

Tal forma de proceder tem se tornado usual em empreendimentos semelhantes, na Riviera de São Lourenço - que nem chega a se constituir, propriamente, num loteamento fechado - ocorre o mesmo, a adesão compulsória de quem ali compre bem de raiz, à Sociedade Amigos. O que, logicamente, implica no pagamento de encargos mensais, para a execução de suas finalidades.

6) Essas "Sociedades", dotadas de personalidade jurídica própria, constituídas sob a forma de associações civis sem fins lucrativos, não chegam entretanto a assumir natureza condominial, qual a de um edifício de apartamentos.

No condomínio, como se sabe, cada condômino é obrigado a participar do rateio das despesas comuns, nele inteirar sua cota-parte. Se o não fizer vindo a ser judicialmente cobrado.

7) Num loteamento fechado não há condomínio, como regra; há apenas a tal "Sociedade Amigos". Vias de circulação e espaços livres são públicos, praticamente nada há em comum, cada proprietário exerce privativamente as prerrogativas de domínio sobre o próprio imóvel. Áreas de lazer, eventualmente (piscinas, quadras de tênis) poderão ser edificadas em prol do Grupo, nelas cada morador possuirá uma fração ideal - aí haverá condomínio, e só aí -, mas a contribuição não se destinará apenas a elas, os gastos com segurança interna, v. g., a rigor não ostentarão natureza condominial.

Numa associação civil, por outro lado, em princípio cada interessado entra se quiser; a tanto não se acha juridicamente obrigado. E, não entrando, compelido não poderá ser ao rateio das despesas daquela, por em nada lhe dizerem respeito. Daí a participação compulsória na tal "Sociedade Amigos" ser discutível, ao menos em princípio. Incivil não sendo raciocinar com o que parece lógico: os proprietários (dos lotes) têm o direito e não a obrigação de participar do quadro social da entidade, à sua revelia criada.

8) A jurisprudência, entretanto, se inclinou para a solução oposta. Anômala que seja a diretriz - loteamento fechado, a bem dizer, é instituto jurídico legalmente inexistente; nada tem a ver com o condomínio horizontal regrado pela, lei 4591/64; objeto de incorporação e construção sob os moldes de um edifício de apartamentos (composto só de casas construídas ou em vias de construção) -, terminou por prevalecer. No condomínio de casas, via de regra pequenas vilas fechadas, ruas e espaços livres pertencem ao condômino e não ao Poder Público; daí não haver dúvida quanto ao dever de repartição de todas as despesas. No loteamento não, as vias são públicas, o trânsito por qualquer do povo não pode ser impedido. O fechamento por muros e guaritas de segurança decorrendo de simples autorização do Poder Público Municipal.

Bem ou mal, mal ou bem, entretanto, rendendo-se à evidência dos fatos - loteamento fechado não é condomínio fechado, mas na prática opera como se fosse; representa um imperativo dos tempos atuais, onde a segurança escasseia, busca-se suprir a falta de policiamento -, passaram os Tribunais a entender que as tais sociedades ("Amigos") teriam, também, direito à cobrança compulsória de mensalidades destinadas à sua mantença, exigíveis de todos os donos de imóveis localizados no empreendimento.

9) A propósito, precedentes do TJ nesse sentido: Apelação Cível 215.480-2/0 (relativa a um dos Alphaville), 421.298-8 (em RT 659/106, Rel. des. Toledo Silva, j . 25.4.90), ainda RT 573/82. Ainda, as Apelação 005.991-4/2 (7ª Câmara, rel. Rebouças de Carvalho), 274.105.2/1-00 (rel. Franciulli Netto), 259.295-2/7. Anteriormente, as Apelações Cíveis nºs. 91.856 (rel. Ênio Zuliani) e 84.686-4 (rel. J.G. Jacobina Rabello). Na Apelação 492.549/0, concluindo o 2º Tribunal de Justiça o que parece óbvio: a ele não tocava decidir da controvérsia, visto não se tratarem de despesas condominiais, em caso dessa ordem se discutir loteamento e não condomínio. Do 1º Tribunal de Alçada precedente em RT 573/82; do Rio de Janeiro ainda outro, em RT 706/94.

Mais recentemente, todavia, o Superior Tribunal de Justiça teria estabelecido um meio termo, formulado distinção. Quer dizer, compelido ao pagamento das despesas associativas mensais, somente poderá ser o proprietário - quando delas discorde, não queira voluntariamente se associar - que já o fosse antes da criação da sociedade. Nessa hipótese é que poderá deixar de a ela aderir.

10) A propósito, relatado pelo Ministro Ari Pargendler, o Recurso Especial n° 444.932-SP (2002/0067871-2), da 3ª Turma, julgado em 12.8.2003. Havendo declaração de voto do Ministro Carlos Alberto Menezes Direito, que bem resume a situação:

"Senhor Presidente, acompanho o eminente Ministro Ari Pargendler, o qual foi muito preciso, como de hábito, ao indicar que, no caso, não tem fundamento a cobrança, porque a parte recorrente adquiriu o seu lote em loteamento aberto sem a existência de qualquer associação; nessa medida, de acordo com precedente desta própria Terceira Turma, não é possível impor-se-lhe a cobrança de taxa à

guisa de condomínio".

11) Nos embargos de divergência a esse acórdão, julgados em 26.10.2005 (relator Ministro Fernando Gonçalves), o princípio veio a ser reafirmado:

"As taxas de manutenção criadas por associação de moradores, não podem ser impostas a proprietário de imóvel que não é associado, nem aderiu ao ato que instituiu o encargo"

Havia divergência a respeito, fundada em anterior voto do Ministro Ruy Rosado de Aguiar (Recurso Especial 261.892/SP), ali referido. Segundo o qual, tal como nos precedentes de início citados (arestos do Tribunal de Justiça deste Estado),

"Deve contribuir para as despesas comuns o proprietário de imóvel integrante de loteamento administrado por entidade que presta diversos serviços no interesse da comunidade (distribuição de água, conservação de calçamento, portaria, segurança, etc), sob pena de enriquecimento injusto".

12) A propósito, ainda, da Ministra Nancy Andrighi o AgRg no Recurso Especial n° 490.419-SP (2003/0007665-8), j . em 10.6.03 pela 3ª Turma:

"O proprietário de lote integrante de loteamento aberto ou fechado, sem condomínio formalmente instituído, cujos moradores constituíram sociedade para prestação de serviços de conservação, limpeza e manutenção, deve contribuir com o valor correspondente ao rateio das despesas daí decorrentes, pois não se afigura justo nem jurídico que se beneficie dos serviços prestados e das benfeitorias realizadas sem a devida contraprestação. Precedentes".

13) Agora, entretanto, se teria chegado a uma situação de compromisso. No precedente anterior, onde declarara voto, havendo dúvida sobre a exata situação de fato; circunstância que o Ministro Carlos Alberto Direito, com propriedade, acentuou:

"Entendo que os paradigmas não revestem a mesma hipótese de fato. A circunstância de ser oriunda da mesma associação, do mesmo loteamento, não repercute, porque, nesse caso da Terceira Turma, que é o acórdão embargado, fiz questão de destacar, expressamente, no meu voto, como o eminente advogado da parte embargada salientou, que o autor da ação estava cobrando taxa, dita condominial, de uma pessoa que era proprietária de uma área e que não participava da associação, porque, segundo informações dos autos, a associação se formou posteriormente: ele já era proprietário da gleba. Ora, até por um princípio constitucional, se uma associação civil é constituída e a pessoa dela não participa porque já tinha a propriedade anterior, não se pode compeli-la a participar, pelo princípio da liberdade de associação".

14) No mesmo sentido o REsp 623.274/RJ (Recurso Especial nº 2004/0007642-4; 3ª Turma, rel. Min. Carlos Alberto Menezes Direito, j . 7.5.2007, DJU 18.6.2007, p. 254). Com a expressa adesão dos Ministros Nancy Andrighi, Castro Filho, Humberto Gomes de Barras e Ari Pargendler:

"Loteamento. Associação de moradores. Cobrança de taxa condominial. Precedentes da Corte.

Nada impede que os moradores de determinado loteamento constituam condomínio, mas deve ser estabelecido o que dispõe o art. 8º da Lei n° 4591/64. No caso, isso não ocorreu, sendo a autora sociedade civil e os estatutos sociais obrigando apenas aqueles que o subscreverem ou forem posteriormente admitidos".

15) Pois bem. Aqui, como com propriedade colocado no recurso - e diferentemente do que a sentença assinalou -, os autores não discutem o dever de pagar. Sabem que devem fazê-lo, estiveram presentes (a autora Gisela inclusive ali nominada, a fl. 62, participou dos debates) à assembléia de fls. 61/64, onde a aprovação da previsão orçamentária relativa a 1999 teve lugar.

A previsão orçamentária vem a fl. 60, pelo total de R$.272.421,00. Dividida em duas partes, aí começa a confusão. Uma (fl. 60, cit.) correspondente à parte dos condôminos (R$.102.000,00), a outra (R$.170.421,00, rotulada de complemento Paineiras) a cargo da loteadora Paineiras Participações e Empreendimentos Ltda (fl. 10).

16) A confusão diz com o próprio mérito. Os autores não se negam a pagar. Mas querem pagar apenas aquilo que lhes toque, pelo rateio de 1/168 avós (mais precisamente, 2/1668 anos; têm dois lotes, embora o registro do segundo ainda não tenha tido lugar); afirmam que lhes tem sido exigido mais.

Disso, data venia, é que a sentença não se apercebeu; absolutamente claro a fl. 187. Quer dizer, a previsão total de R$.272.421,00 nem discutem; fazem-no, sim, em relação ao critério aritmético de partição entre 168 avos. Daí porque, nos termos sob exame, a extinção do processo não cabia.

17) A questão apresenta desdobramentos outros. Dos 166 lotes originais (171 com o acréscimo de dois outros da quadra K, cf. fl. 133), ao que se verifica da assembléia geral havida em 1996 (mencionada na contestação, a fls. 93/94; a ata respectiva a fls. 132/135), à época haviam sido vendidos apenas 30. O restante continuava com a loteadora; que, portanto, deles proprietária tinha que fazer frente às despesas comuns do empreendimento (segurança privada, contratação de funcionários, etc.). Daí, segundo a contestação (fl. 95), o tal complemento Paineiras (fl. 60, R$.170.421,00; na previsão orçamentária total de R$.272.421,00, para 1999) diria respeito a sua parte no total de despesas.

Isso é que não ficou bem claro. Porque, sobre a proporção - se apenas 30 lotes haviam sido vendidos até o final de 1996, não havendo notícia de vendas posteriores - não corresponder ao número de unidades responsáveis pelos R$.102.000,00, o termo complementação possuiria significado outro. A loteadora era tão proprietária quanto os demais, cumpria obrigação própria, não complementava nada.

18) O termo "complementação", segundo a convenção, diria respeito a situação outra ali prevista. Confira-se, a fl. 45, a cláusula 7.4.1:

"A partir de janeiro de 1990, cada condômino contribuirá mensalmente para o condomínio com um PNS vigente ou o Salário Mínimo Nacional - o que for maior. A época de pagamento será de acordo com o item 3.7, podendo a vendedora proprietária do empreendimento apenas complementar a diferença necessária ao cumprimento das obrigações do condomínio, ressalvando-se as despesas excetuadas no item 7.3, as quais serão sempre de responsabilidade exclusiva do respectivo condômino".

Impende decifrar. As despesas do item 7.3 diziam respeito à aprovação de plantas, sujeitas aos requisitos internos estabelecidos para o loteamento. O PNS era o Piso Nacional de Salários à época existente; a grosso modo equivalente ao Salário Mínimo. Aprovada a convenção em 28.6.90 (fl. 99), quando o salário-mínimo eqüivalia a Cr$. 17.000,00. Ignorando-se, face à absoluta imprecisão do dispositivo acima transcrito (item 7.4.1), o que a construtora deveria complementar, até que ponto e a que título.

19) O que aqui se discute, basicamente, é isso. Dos R$.272.421,00 objeto da previsão orçamentária de 1999, já se viu ter sido destacada uma parte (fl. 60, R$.170.421,00) a título de complemento Paineiras. Esta é que diria respeito à complementação acima, de responsabilidade exclusiva da sociedade vendedora - Paineiras Participações e Empreendimentos Ltda. Ao menos, é o que se supõe, tudo no ar.

Os R$.102.000,00 restantes (fl. 60, cit.) é que diriam respeito à contribuição condominial propriamente dita; deveriam assim ser rateados entre os proprietários dos lotes vendidos (cerca de trinta, 1/168 avós pelo lote de cada qual) e mais a construtora, em relação aos lotes ainda em seu poder.

20) Do modo pelo qual se contestou a fl. 95, fica a impressão de que o raciocínio dos autores se acharia equivocado. Isto é, R$.102.000,00 diriam respeito aos lotes já vendidos (cerca de trinta, o que é um verdadeiro absurdo), os restantes R$.170.421,00 àqueles 136 ainda não transacionados, mantidos com a loteadora. Flagrante a desproporção, as contas não batem.

Reforça tal conclusão (até hoje não se sabe no que constituiria o tal complemento Paineiras, do item 7.4.1 da Convenção) o verdadeiro golpe de que os autores se queixam, havido em 1996. Prevalecendo-se de que detinha folgada maioria - assumidamente, como colocou a fl.133, dos 166 lotes apenas 30 haviam sido vendidos, o restante ainda era seu -, ignorando a regra do artigo 624 do Código Civil então vigente ("na proporção de sua parte" - e não mais - é que cada condômino deve concorrer "para as despesas de conservação" dos bens pro indiviso), agindo de modo francamente potestativo. naquela assembléia de 1996 a loteadora se saiu com inusitada novidade.

21) Está a fl. 133, com absoluta sem cerimônia partiu do pressuposto ("a economia brasileira, nos últimos 3 anos não melhorou para que houvesse um melhor incremento nas vendas de lotes de alto padrão") de que "manter o critério de rateio atual não seria adequado da mesma maneira também não seria adequado cobrar-se valores iguais de quem possui um ou múltiplos lotes".

A partir daí, partindo do raciocínio de que o piso salarial da categoria correspondia a R$.185,00 (fl. 133), com aumento autorizado de 23,33%, a fl. 134 estimou o PNS de R$.195,65 e o coeficiente um (mais 10% de Fundo de Reserva, mais as despesas com boleto bancário), como a mensalidade de quem possuísse um único lote. Este pagaria a despesa condominial mensal por inteiro, sem nenhuma redução.

22) Em escala decrescente, ato contínuo (fl. cit.: 0,9 para quem possuísse de dois a três lotes; 0,8 de quatro a sete lotes; e assim sucessivamente), chegou-se ao índice 0,3 para quem possuísse mais de trinta e três lotes - exatamente o caso da sociedade vendedora. Esta, assim, a pagar muito menos (apenas 30% do que seria devido), os que tivessem um único lote tendo que assumir a diferença no rateio correspondente (pois os gastos são sempre fixos, não há mágica passível de alterá-los): arcando com as despesas do seu e os 70% da loteadora, rateados entre os demais infelizes.

Ignora-se se o valor de R$.102.000,00, para 1999, diz realmente respeito aos pouco mais de trinta lotes vendidos; se o complemento Paineiras se trataria (R$.170.421,00) da parte condominial cabente à sociedade respectiva, pelos restantes 136 lotes. Suscetível a questão de ser aqui discutida, claramente abusiva a deliberação assemblear de 1996: haviam apenas 30 adquirentes com direito a voto, o restante (136 lotes ainda não transacionados) ao exclusivo nuto da Paineiras. Que tinha folgada maioria, suficiente para estabelecer o que quisesse.

23) Quando assim não seja, suposição por suposição, ignora-se se o tal complemento diria respeito ao acréscimo do item 7.4.1 da Convenção (cujos critérios de cálculo ali simplesmente não existem), devido pela loteadora. Dissesse, tratar-se-ia de despesa sua, própria; e os restantes R$.102.000,00 haveriam que ser rateados entre todos os 166 lotes, como na petição inicial se sustenta; entre eles a própria loteadora, pelos lotes ainda em seu poder.

Importa assinalar que haviam despesas privativas da loteadora, tal como assinalado a fl. 177, relativas ao complemento da infra-estrutura do empreendimento; nada tendo a ver com a sua simples manutenção, como é óbvio, com as de manutenção não se devendo misturar. Mas não se sabe se mistura ocorreu, ao que se infere aqui tudo é possível.

24) O salário-mínimo, à época em que estabelecido o PNS de R$.195,65 (fls. 133 e 134, 29.7.96), eqüivalia a R$.112,00; muito menos do que o piso da categoria. Ignora-se, de acordo com aquele item 7.4.1, o que haveria para complementar e até que montante. Tudo no ar, tudo no escuro, a solução simplista a que chegou o magistrado a quo não tinha razão de ser. Os autores, como ficou bem claro na petição inicial e no recurso, não se insurgiam contra a previsão orçamentária global de R$.272.421.00. Impugnavam, sim, o cálculo aritmético de repartição proporcional; a respeito do qual tudo continua em suspenso.

Impossível decidir a demanda, do modo pelo qual se apresenta, nada suficientemente esclarecido. Mas é certo que o pedido, certamente, estava apto a prosperar, receber cognição pelo mérito. Descabendo, em razão disso, a extinção havida, à égide do artigo 267, VI, do CPC."

III) Agora, evidentemente, não haveria a decisão que ser diferente. O lá decidido aqui incide; cumpriria esclarecer qual o cálculo correto aplicável à espécie. Duas ações, com as mesmas partes, em discussão a mesma causa de pedir (a cobrança dos valores da "previsão orçamentária para 1999" - por cópia à fl. 50). A primeira já transitada, acórdão de 8.11.07, onde baixados os autos para prosseguimento. Que há de prevalecer. Os esclarecimentos lá determinados prejudiciais ao conhecimento do mérito aqui. Razão pela qual a melhor solução seria a de suspender o andamento do segundo feito (do presente), à espera da decisão do primeiro, a teor do artigo 265, IV, "a", do CPC - com determinação de informes sobre o desate do feito de rito ordinário n° 918/99, da Primeira Vara da comarca de Salto (citado nas fls. 192, 201/206), originário da apelação 177.022.4/2-00 -, pena de serem emitidas decisões contraditórias.

IV) Posso, de qualquer modo, emprestando aplicação analógica à regra do artigo 249 § 2º do CPC ("quando puder decidir do mérito a favor da parte a quem aproveite a declaração da nulidade, o juiz não a pronunciará e nem mandará repetir o ato, ou suprir-lhe a falta"), simplesmente dar provimento ao apelo para julgar improcedente a ação; ora o faço, a cobrança sem o necessário lastro jurídico.

Isso e só isso, tão-somente. Disso se seguindo o provimento do apelo, pelo meu voto. Invertidos os ônus do sucumbimento, honorários advocatícios à ordem de 20% sobre o valor corrigido da causa, que é pequeno.

V) Sucede é que o devedor tem o direito de pagar apenas o que efetivamente seja devido. Daí porque, evidentemente cobrado a maior pelas falhas antes assinaladas, aqui a mora foi creditoris e não debitoris. Admissível a recusa do pagamento, consignar representa mera faculdade e não obrigação. Daí porque a presente ação não poderia ser validamente ajuizada, a não ser do modo correto. Mal ajuizada, a improcedência se afigurava de rigor, sem outras perquirições.

Isso, aliás, ficou assinalado - os embargos se avizinhando da litigância de má-fé, como então se ponderou, a cobrança manifestamente se afigurava excessiva - ao ensejo do julgamento dos embargos de declaração então opostos ao aresto acima transcrito. Quer dizer:

"Ficam rejeitados (os embargos), pelo meu voto. Abeiram-se da litigância de má-fé.

Por falta de interesse de agir, ao que se verifica de fl. 178, a presente ação veio a ser julgada extinta em primeiro grau, sem julgamento de mérito, a fl. 178. Mas foi reformada em segundo grau, extensa a fundamentação do acórdão embargado a dar conta do contrário.

Agora, todavia, como se aquela fundamentação não existisse, vêm os embargos afirmar omisso o decisório, "em momento algum Vossas Excelências levaram em consideração ou afastaram a tese defensiva de falta de interesse processual, por inadequação do procedimento utilizado ou, mais propriamente, do provimento jurisdicional pleiteado"(fl. 230).

Tal colocação não pode ser levada a sério. Repousa no que vem posicionado a seguir, a bem dizer no próprio mérito do que está em discussão. Isto é (fl. cit.):

"Independentemente de se discutir ou não a previsão orçamentária ou, como constou do acórdão, de se estar discutindo o 'critério aritmético de participação entre 168 avos', fato é que não se pode chegar a uma sentença de mérito que fixe o valor das contribuições condominiais devidas pelos embargados no curso do ano de 1999, como pedido na petição inicial. Esta era e sempre será atribuição da Assembléia Geral".

Fica a impressão de que o embargante não leu o acórdão. Nele ficou mais do que expresso, inclusive na ementa (fl. 210), não se estar a discutir a previsão orçamentária estabelecida em Assembléia. Estarem em discussão, sim, os critérios estatutários a prever a divisão dos valores respectivos entre os respectivos adquirentes dos lotes. Confira-se o item 15 de fl. 218, sendo procedida exaustiva análise da questão, até fl. 223.

Na realidade, como a partir do item 20 se coloca, em 1996 teria sido intentado verdadeiro golpe pela loteadora, aproveitando-se de possuir folgada maioria no empreendimento. Dos 166 lotes havia vendido apenas 30, sem modificar os estatutos inventou fórmula espúria de cálculo que praticamente a isentava de despesas, carreava tudo aos adquirentes. Tudo a demandar ainda final aferição, haviam despesas relativas a complemento de infra-estrutura (fl. 223) que eram privativamente suas. Misturou conceitos, embaralhou situações como no aresto se coloca; violou, ela própria, seus estatutos e atos constitutivos.

Não há prequestionar nada, não houve omissão de tese defensiva nenhuma."

VI) O credor, como se afigura óbvio e aqui deriva da própria contestação, não recebe a não ser o que entenda efetivamente devido. Daí porque, se exigir mais, a mora será sua, o devedor poderá simplesmente deixar de pagar.

Nesse sentido a doutrina, de longa data: "o credor que, sem justo motivo, se recusar a receber a prestação, está em mora accipiendi. Nesta hipótese o devedor não é obrigado a efetuar a consignação, pois, provindo a inexecução de culla alheia, não caracteriza mora de sua parte. Todavia, embora sem ser obrigado a consignar, abre-lhe a lei a faculdade de fazê-lo" (Sílvio Rodrigues, "Direito Civil, vol. 2, "Direito das Obrigações", segunda edição, 1965, pg.209).

VI.1) Agostinho Alvim ("Da Inexecução das Obrigações e suas Conseqüências", ed. 1949, número 64) refere aresto segundo o qual, nessa mesma linha de raciocínio, "verificada a mora accipiendi a consignação constitui mera faculdade de que se poderá valer o devedor para desonerar-se da obrigação, sem porém ficar subordinado a prazos preclusivos".

Mora, pelo que se vê, pode ser também imputada ao credor. Acha-se em mora (mora creditoris e não debitoris) o credor que exige mais do gue lhe venha a ser devido. Foi o que, inquestionavelmente, aqui sucedeu. O credor, fácil é inferir, não recebendo o débito a não ser como entendia correto. Daí, recusando-se a receber a não ser a maior, achava-se em mora accipiendi.

VI.2) Sua mora excluía, ipso facto, a mora do autor, daí não haver como falar que este é que se encontraria insolvente.

Segundo o artigo 963 do Código Civil à época vigente - no vigente ordenamento, o princípio exatamente igual -, "não havendo fato ou omissão imputável ao devedor, não incorre este em mora". E o credor, como parece lógico, não pode se prevalecer da própria mora para cobrar, mais do que o devido.

Mal proposta a demanda, por mais do que o devido, a hipótese assim era de improcedência. Que para logo fica decretada. A autora que renove a cobrança de modo correto.

LUIZ AMBRA
Relator




JURID - Contribuição Associativa em Loteamento Fechado. [20/05/10] - Jurisprudência

 



 

 

 

 

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